A perda

A primeira pessoa que perdi foi a minha avó. E logo a minha avó preferida, a melhor pessoa que conheci, que me protegia e tinha a maior paciência para aturar as minhas birras com a comida. Tomou conta de mim, do meu irmão e dos meus primos, que nem eram seus netos. Nunca o fez por obrigação ou por algo esperar em troca. Era genuinamente boa pessoa, como nunca conheci ninguém. E por tudo isto e muito mais, é quem mais queria que tivesse durado para sempre. 

A minha avó não sabia ler nem escrever. Pertenceu a uma geração em que as raparigas não eram sequer mandadas à escola. Ficavam em casa a cuidar dos irmãos, das terras e das lides domésticas. Ainda assim, estava muito à frente do seu tempo. Via todos os dias os telejornais e gostava de discutir as notícias que via com o meu avô. Não era retrógrada nem conservadora, nem perdia tempo a falar sobre a vida dos outros. Sei que gostava de ter estudado, assim como também sei que ficava contente quando lhe lia o correio ou lhe mostrava os ditados sem erros que tinha feito na escola. Ficava orgulhosa de mim até quando eu exibia, numa letra manhosa, que já sabia escrever o meu nome. E embora nunca no tenha dito - afinal, era muito nova para saber o que isso significava sequer - sei que sempre desejou que eu fosse independente, que estudasse e fosse mais longe do que ela teve possibilidade de ir.

Morreu de um momento para o outro. Numa hora estava tudo bem e íamos almoçar a sua casa para comemorar mais um aniversário, na hora seguinte toca o telefone a avisar que ela não estava bem e tinha que ir para o hospital. Só me disseram no dia seguinte, quando voltei da escola, que ela tinha morrido durante a noite. Lembro-me de chorar todas as noites, durante semanas a falta dela. E de pensar em todas as ocasiões em que ela já não ia ester presente, como no Natal ou quando fizesse anos.

Também nessa altura, alguém me explicou que para um novo bebé nascer, teria que morrer uma pessoa também. E isso, de certa forma, fez-me sentir que afinal havia um propósito, um motivo pelo qual a minha avó altruísta ter desaparecido tão cedo da minha vida. Para dar o seu lugar a alguém. E embora hoje não ache que isso funcione de maneira não linear, fico feliz por tudo o que me lembro dela, orgulhosa por ser neta de uma pessoa tão acarinhada por toda a gente e guardo tudo que me ensinou, em tão pouco tempo que estivemos juntas.

6 comentários:

  1. Não sei, felizmente,o que é perder um ente querido. Nunca passei por isso e espero que esteja bem longe de presencial uma perda assim. Eu acredito que o nosso percurso não termina com o fim da vida. Há demasiadas provas de que existe algo mais. Há um propósito. Sei que um dia te vais reunir com a tua amada avó :)* Força!

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  2. Bom, apareceu aqui uma lágrima no canto do olho. Fiquei comovida. O amor pelos avós, é algo que nãos e consegue explicar muito bem por palavras. Eu ainda tenho os meus 4 avós, de boa saúde, mas sei que mais cedo ou mais tarde, vou acabar por ir perdendo a sua presença fisica! O meu coração fica muito apertado, as lágrimas a querer explodir sempre que penso nessa realidade. Mas é o mais certo que temos. Ter 28 anos, e ter partilhao com os meus avos, os momentos mais importantes da minha vida até então, já é um conforto gigante! Mas é a lei natural da vida, e quanto mais cedo a aceitarmos melhor! Texto bonito, para um assunto que imagino que seja para ti dificil de falar! Mas desabafar faz bem! :) Um beijinho muito grande. E ela está todos os dias ao teu lado, é a estrelinha mais brilhante do Céu :)
    *

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    1. É verdade, raramente falo sobre isso. Este é sempre o mês em que me lembro, mesmo que já tenha passado tanto tempo. Mas também concordo contigo, ter partilhado alguns momentos já é uma sorte imensa! E fico feliz por ti, por ainda teres os teus avós e dares valor a isso. Obrigado pelo teu comentário e pela força. :)

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  3. Infelizmente perdi os meus avós paternos cedo, ainda hoje não consigo aceitar muito bem a sua morte mas esta tua visão do ser altruísta aqueceu-me de alguma forma o coração. E percebo bem esse orgulho que sentes, também eu recordo os poucos momentos que tive com os meus avós e guardo todas as lições que recebi :)

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    1. Pensar dessa maneira ajudou-me a aceitar um bocadinho melhor. :) Lamento que também tenhas perdido os teus avós cedo. Um grande beijinho

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