uma sala cheia de molduras


Quem ainda tem os seus avós, provavelmente depara-se com o mesmo cenário que eu via quando ia a casa dos meus. Por toda a casa havia quadros e molduras, mas era na sala que se concentrava o maior número delas. Se fosse fazer uma contagem mental, deviam ser às dezenas: por cima da televisão, por baixo do móvel da televisão, na mesa do centro, nas mesas de apoio, no armário das loiças e das toalhas, e algumas, as mais antigas, nas paredes. Apesar de ter sentimentos muito fortes (e nem por isso positivos) em relação à minha avó paterna, sempre admirei todas as fotografias que tinha colocado pela casa ao longo dos anos. Mostravam momentos e pessoas que foram passando ao longo do tempo na vida dos meus avós. Maioritariamente mostravam a família enorme que eles tinham. Haviam fotografias dos casamentos de todos os filhos, dos batizados dos netos, das bodas de prata e de ouro, de alguns amigos deles durante aqueles passeios "da juventude", existiam até fotografias dos netos na escola, daquelas que tiram às crianças na primária, a segurar uns livros ou a fazer um desenho. Lembro-me de em miúda, gostar imenso de ficar a olhar para tudo isso. Apontava para as pessoas nas fotografias e identificava "olhá tia", "olhó Miguel" ou “olha eu!”, e perguntava quem estava numa determinada fotografia se não reconhecesse a pessoa. Quando alguém ia a casa dos meus avós, sei que era através dessas fotografias que mostravam a família, assim como hoje em dia mostramos o nosso primo recém-nascido no ecrã do telemóvel.

Hoje a sala está vazia e já não está lá nada, nem as molduras que não ficavam bem umas com as outras, com os seus rebordos dourados. Estas foram distribuídas, cada um dos meus tios ficou com as fotografias em que estavam e o meu pai acabou por ficar com as dele e com as que ninguém quis. Apesar de saber o destino triste que têm todas essas memórias emolduradas, gostava de um dia ter uma sala cheia destas coisas, como eles tinham.

3 comentários:

  1. Apesar de caótico acaba por ser bonito, é como ver o filme das vidas dos nossos avós através de frames emoldurados :)

    ResponderEliminar
  2. nunca tive muito cheia, mas gosto dentro de certos limites :)

    ResponderEliminar
  3. As casas dos meus avós são iguais. Acho que cada vez menos as pessoas decoram as casas com molduras, talvez pelas fotografias digitais que agora existem. E é pena /:

    ResponderEliminar