Há pessoas que não sabem, nem sonham, a sorte que têm. A sorte de serem pais de duas pessoas que, com zero apoio dos mesmos, ainda vão andando para a frente. A sorte de estarem longe de serem modelos perfeitos daquilo que os progenitores deviam ser, mas terem filhos que nunca descambaram, nunca passaram uma noite fora de casa, nunca chegaram a casa bêbados, nunca levaram um recado na caderneta, nunca foram para a rua numa aula. A sorte de marcarem uma hora para que cheguem a casa, e de essa hora ser sempre cumprida. A sorte de não lhes ser cobrado constantemente o facto de nem saberem o nome dos cursos que os filhos estão a tirar. Ou em que ano escolar estavam. Ou se tinham dificuldades numa disciplina. A sorte de, exigindo resultados como um patrão que não sabe sequer a estrutura da sua empresa ou o que vende, os mesmos aparecerem. Nem sabendo eles o que custou a chegar lá (nem querendo saber). A sorte de, durante anos, se terem aproveitado dos bons rendimentos escolares dos filhos e nunca terem gastado um cêntimo na sua educação. A sorte de terem filhos que nunca reclamavam por não poderem sair quando lhes apetecia, sem ter que pedir um requerimento um mês antes. E com um bocado de sorte, se houvesse uma pequena asneira feita entretanto, deixaria de haver autorização. A sorte de nunca ter sido um pai presente fisicamente - mesmo nas poucas vezes em que estava, nunca passava tempo nenhum a brincar com os filhos, ou a falar com eles sobre a escola, os amigos, o que quer que fosse - e ainda assim os filhos compreenderem por acharem que é assim o seu feitio. A sorte de terem dois filhos que apoiaram a mãe na fase de vida mais negra da sua vida. Quando eles nem foram a causa pela qual chegou a esse estado. A sorte de nunca ninguém os ter mandado à merda quando avisaram, num mês de Julho qualquer, que em Setembro iam mudar de escola, de casa e de vida, para longe dos amigos de infância e do lugar que sempre conheceram, tudo para que a família ficasse junta. Família essa que nunca chegaria a estar junta, porque o que os separa ainda hoje, é bem maior do que uma viagem de uma hora e pouco de carro.

Há pessoas que não sabem, nem nunca vão saber ou dar valor à sorte que têm. Felizmente, os filhos têm a sorte de se terem um ao outro. E isso compensa (quase) tudo.

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