what's right or wrong

Ontem saí cedo de casa para ir para a faculdade estudar com uns colegas - o que significou ficar off do mundo - e só soube o que se passou nas instalações da revista Charlie Hebdo quando voltei. Desde aí, existem umas quantas coisas que não me saem da cabeça.

 Ruben L. Oppenheimer

Tinha pouco mais de 9 anos e estava em casa a ver televisão - desenhos animados provavelmente - quando apareceram em todos os canais imagens de dois aviões a embater contra duas torres que nunca tinha visto, nem tão pouco sabia onde ficavam. Na altura devo ter ficado chateada porque interromperam a minha manhã com um noticiário - já não bastava à hora de almoço e do jantar? - sobre algo que não compreendia e que para mim tinha sido apenas um acidente. Afinal quem constrói prédios tão altos que até parecem ocupar o espaço onde “andam” os aviões? Mas a partir desse dia muita coisa mudou. Palavras como o terrorismo, Bin Laden ou atentado passaram a aparecer frequentemente, o que era estranho para mim. Prestes a entrar para o 4ºano, nunca as tinha ouvido, nem sabia como se escreviam ou o que significavam. Pensava que já conhecia todas as palavras existentes, pensava que as sabia escrever e entendia significado de grande parte. Estava errada, mas fui aprendendo que o desconhecido era mais que um conjunto de palavras novas. O que não conhecia fui aprendendo nas conversas que os meus avós e os meus pais tinham, nos jornais, mais tarde com documentários que via e ainda com um professor de história que tive, que nos ensinou mais do que a matéria nos livros do 9ºano. Esse professor nunca olhava para o livro sequer, as aulas passavam-se em silêncio a ouvi-lo a falar principalmente sobre as guerras mundiais. E acho que essas aulas, dadas por um professor realmente interessado em fazer mais do que simplesmente debitar matéria, foram importantes para a maneira como vejo estes assuntos hoje.

A última guerra mundial foi há mais de 50 anos mas a memória dos Holocausto ainda continua presente. Até hoje ganhou sempre o "bem" ou o como alguns dizem, o mal menor. Como país, já fomos governados por uma ditadura, mas hoje vivemos num Portugal livre e somos livres. Mesmo que digam "És livre? Estudas e trabalhas para ganhar dinheiro que te permita comprar alimentos, ter um tecto e outras coisas, podes realmente ser livre quando dependes de tanto?". A minha resposta é sim, continuo a achar que sou livre porque até hoje nunca senti que estava em perigo por escrever o que me apetece. Nunca tive que sussurrar o que pensava sobre as notícias com medo que alguém ouvisse. Nunca fui obrigada a tapar-me dos pés à cabeça. Nunca tive que esconder a minha religião ou converter-me a algo em que não acredito, por temer ser tratada como inferior ou pior. E contudo, pessoas como eu, que sabem o que foi e o que significou o 11 de setembro, que tiveram aulas de história, acesso a livros, filhos de pais que discutiam estes assuntos ao jantar, pessoas que são – segundo a minha ideia de liberdade – livres, preferem deixar tudo para trás em nome de uma religião. Trocam o seu país, as suas raízes para lutar por algo que tem tanto de lógico e certo como quando um dia, um homem determinou que havia uma raça inferior à sua, e essa “crença” levou à morte de milhões em câmaras de gás.
Da mesma maneira que a Alemanha foi enfraquecida no final da primeira guerra mundial e voltou em toda a sua força, o islamismo parece estar a fazer o mesmo. Para mim, por muito que se use uma hastang ou se partilhe uma fotografia com uma caneta, o problema está em ignorar o problema. Não se querer "chatear" como, durante anos, países como a França e a Inglaterra fizeram com a Alemanha, mesmo quando esta invadiu outros países e pisava constantemente a linha que os aliados definiram no final da primeira guerra mundial. Era mais fácil esperar que não fosse tão grave como se revelou, do que partir logo para o confronto. Quando duas torres caíram, todos voltaram os olhos para um grupo de extremistas, e chegou-se à conclusão que afinal pouco se sabia acerca da sua força. Medidas foram tomadas, e não digo, de longe, que foram as melhores ou mais eficazes. Quanto a isso não sei o que poderia ter sido feito de maneira diferente, mas o certo é que durante alguns anos, o medo de que um atentado pudesse ocorrer de novo, foi atenuado. Agora, no espaço de umas semanas, um homem sequestra-se com umas quantas pessoas num café em Sydney, manda segurar uma bandeira negra com inscrições em árabe, e deste aparato resultam duas pessoas inocentes mortas. Ontem, um grupo de três matou doze pessoas, e ninguém sabe quem eram ou qual o seu paradeiro. Apenas se sabe que as suas motivações tinham algo a ver com o facto de o jornal publicar cartons a satirizar o extremismo islâmico. E isso aparentemente manchava a imagem da sua ideologia. Muito lógico. Uns desenhos num papel causavam mais impacto negativo do que entrar a matar numa redação em nome de Alá ou do raio que os parta. Eu não vejo isto como uma vingança pelas alegadas humilhações que a revista os fez passar. Vejo como uma ameaça, “se nos provocarem, é isto que vos vai acontecer.” E a ceder nisto, cede-se em tudo. Por muito que agora se fale de tolerância em relação ao extremismo, onde está ela quando é ao contrário? Onde existe tolerância, quando chegam histórias de cristãos que vivem em países árabes, totalmente inferiorizados e isolados, tratados como ralé. Onde está essa mesma tolerância em mentalidades que condenam mulheres e homens a morrer por apedrejamento, e que a sua ideia de retaliação é chegar a um local e disparar contra quem pensa de uma maneira diferente da sua.

Isto já é o suficiente para que me deixar a pensar, mas volto às notícias anteriores a estes acontecimentos, que falavam sobre a possibilidade de radicais islâmicos estarem a recrutar pessoas para o seu movimento, inclusive em Portugal. Não se devia parar de fechar os olhos a isto, e falar mais vezes e mais abertamente sobre o assunto? Ou simplesmente, quem se alista numa coisa assim, não deve bater muito bem só por si, então é deixá-la ir? Acho que por enquanto, o descanso vem do facto de os autores de actos terroristas serem pessoas que nasceram e viveram no meio islâmico, ou são de descendência árabe. Não sei até que ponto isso continuará a ser assim, e as notícias sobre pessoas de países como a França a lutarem na fileiras do islamismo são cada vez mais frequentes. Admito que, tendo crescido a ouvir o que escrevi anteriormente, não percebo as razões que levam alguém, com conhecimento de causa – não me digam que vivendo num país desenvolvido, com acesso a informação por tudo quanto é sítio, não conheciam a realidade do Estado Islâmico e daquilo que defendem – a alistar-se no exército jihadista. 

Não sei bem o que pretendo com isto, mas espero que as palavras “je suis charlie” não caiam no esquecimento. E que se veja a tolerância como uma exigência que deve ser feita dos dois lados. Não inventem desculpas, por favor. O “outro lado” é nas palavras de muita gente, uma cambada de malucos que não bate bem da cabeça e por isso é melhor não os irritar por que os gajos entram a matar e depois todos choram. Odeio essa visão das coisas. Somos pessoas com direitos e deveres iguais, independentemente de onde estejamos, ou no que acreditemos, o respeito deve ser mútuo.

6 comentários:

  1. amei a tua sinceridade :)
    Toda esta nova realidade assusta e o que assusta mais é os jovens renderem-se a este tipo de movimentos e acharem que fazem o bem. Somos livres tens razão, se olharmos para as outras culturas até nos podemos considerar com sorte, mas cada um deve escolher a sua liberdade, o que por vezes não acontece pois não está na mão delas esse poder.

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    1. Eu não consigo perceber isso mesmo, pessoas educadas no mundo ocidental, com toda a informação e poder de escolha ao seu dispor, alistarem-se na jihad? Já ao contrário, gostava que também fosse dado o mesmo poder de decisão a quem nasce nesse meio. Mas por vezes, não conhecem sequer outra realidade sem ser aquela.

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  2. *clap clap* gostei muito e concordo contigo. Só é pena que isto só nos afete quando acontece numa realidade mais próxima da nossa :\. Há inocentes a morrer todos os dias na Síria e outros países que tais mas como estão tão longe e são tão diferentes de nós não têm impacto suficiente para nos fazer sair à rua e dizer que não temos medo. Seja como for, que as vozes não se calem, que as mortes não se esqueçam!

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    1. O que disseste é totalmente verdade. Também sei da guerra na Síria, mas nunca isso me fez escrever ou perder mais do que um minuto do meu dia a pensar nisso. Lá está, enquanto não é ao nosso lado, e parece que estamos longe de vir a sofrer com isso, é como se não fosse problema nosso, "eles lá que se entendam". É errado pensar assim, no entanto também eu caio nesse erro. Uma vida é sempre uma vida, seja em que lugar for.

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  3. gostei muito das tuas palavras e concordo plenamente! há muita gente que defende que não se deve falar sobre os jihadistas, para não fazer publicidade gratuita e para não incentivar jovens a irem para lá.

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    1. O que é uma grande asneira. Mais depressa se toma uma decisão errada por desconhecimento do que tendo total consciência sobre determinado assunto.

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